Um casamento feliz
Clotilde Tavares | 31 de julho de 2009Nas minhas estantes, tenho mil e oitocentos livros. Sei disso porque contei-os, um a um, num dia desses em que estava contrariada com o que havia ouvido numa reunião de amigos: “Você, Clotilde, acumula livros demais. Devia doar pelo menos a metade às bibliotecas de bairros, tão carentes.”
Bem, se as bibliotecas são carentes a culpa é dos governantes e secretários da área, que não as equipam de forma adequada. Não é minha obrigação suprir essa lacuna. Pago meus impostos em dia, todos eles, sendo isso sim a minha obrigação. Mesmo assim fui à estante ver do que podia abrir mão. E encontrei alguns livros, não muitos, que separei para um biblioteca dessas aí que me recomendaram.
Mas a questão que quero falar aqui nessas poucas linhas é outra. É sobre o apego aos livros. Não me considero apegada a nada, no sentido de que penso que nenhum objeto material é fundamental para a minha felicidade. Tenho, gosto de ter, mas se não tenho ou não puder ter não fico infeliz. Sou há anos leitora de Khrishnamurti, que prega o desapego. E desapego não tem nada a ver com você dar as coisas, mas com você não precisar delas para ser feliz. Sou colecionadora incurável, e há uma série de objetos que venho juntando dentro de um contexto de coleção. Já falei aqui sobre essas coleções. Mas sou organizada, e minha casa não tem excesso de nada.
A pessoa da frase acima disse que eu doasse “livros que jamais iria abrir de novo”. Aí eu pergunto: o que é isso? Nas décadas de 1970/1980 li todos os livros das memórias de Pedro Nava. São seis volumes: “Baú de Ossos”, “Balão Cativo”, “Chão de Ferro”, “Beira-Mar”, “Galo das Trevas” e “O Círio Perfeito”. Numa dessas arrumações das estantes, há uns dez anos, dei todos. Supostamente, eram livros que eu jamais iria abrir de novo.
Depois disso comecei a estudar Genealogia e a escrever minhas memórias; de repente os livros do Pedro Nava começaram a se tornar indispensáveis. Lá fui eu e comprei tudo outra vez. Mas a edição moderna veio num tipo muito pequeno que eu não conseguia ler com conforto. Então, doei os seis novos e comprei de novo os seis da edição antiga.
Por essas e outras é que continuo com meus 1.800 livros, nesse casamento tão feliz.
Clotilde, voce está certa por essa e muitas outras razões. Livros são como amigos que gostamos de rever e visitar. Há aqueles dos quais sentimos mais saudades e vemos mais amiúde (para mim, um Machado, um Shakespeare) e há aqueles que não vemos tanto mas que, de vez em quando, bate uma grande saudade ou necessidade. Eu passei a mesma coisa com o Nava que li também no início da década de 80 e retornei depois mais de uma vez. Por sorte, como sou um guardador de livros, ainda possuo a minha edição da José Olympio que estou relendo novamente.
Antes um livro fique com pessoas como você do que jogados em uma Biblioteca qualquer onde nem ao menos serão vistos.
um abraço
Erika, em toda cidade mais ou menos grande há sebos onde vc pode negociar seus livros. Uns pagam mais, outros pagam menos, e outros ainda não pagam nada: vc deixa os livros “em consignação”, ou seja, se forem vendidos, você recebe um percentual. É bom procurar um sebo organizado, senão vc deixa os livros lá em consignação e quando vai fazer as contas o sebista nem sequer sabe onde colocou seus livros. Quanto às revistas, algumas têm valor monetário outras não. Aí, só um sebista poderia fazer uma avaliação. Mas quanto mais antigas melhor. Vc pode também anunciar suas revistas pelo site Mercado Livre, se vc tiver prática com esse tipo de venda. Uma coisa é certa: de vez em quando é preciso dar uma peneirada, senão a gente morre afogada em papel. Faça assim: para cada um que entra, dê outro de presente, a um amigo, uma escola… Eu tinha revistas Veja, Isto É, Superinteressante, Gloss, Estilo e Outras, uma pilha aí de umas 50, 60 revistas, que não servia para vender; aí separei em duas pilhas e deixei a metade na minha cabelereira e a outra metade em um dos meus médicos, onde as revistas eram velhíssimas. Pra tudo tem um jeito. Mas é bom que é danado juntar papel.
Eu herdei da minha mãe a vontade de comprar livros, revistas, publicações mil… Minha mãe não se desfaz de nada. Temos coleções de revistas (Luluzinha e Bolinha, Turma da Mônica, do Walt Disney, MonTricot “raríssimas”, Seleções do Readers Digest, desde meados de 1950, Casa Claudia …), Enciclopédias, Literaturas,… E eu agradeço a ela por isso. Concordo que é complicado praticar desapego. A única vez que dei 2 livros meus para uma amiga (aquela história de “já li, então vou passar adiante”), carrego o arrependimento até hoje! A edição atual tem uma capa horrível e vira e mexe me pego com vontade de reler… Difícil é conseguir achar lugar pra tudo. O jeito é parar de comprar por um tempo, já que o que entra não sai, reduzir a quantidade que entra…. Mas tem uns Vade Mecuns que eu poderia doar, edições passadas… Onde posso levá-los? Obrigada pelo depoimento-incentivo!
Sou soliária à sua causa: eu também não abro mão dos meus livros queridos!
Beijos, Cris Yumi
[…] meu caso, além dos 1.800 que tenho no apartamento, tenho mais uns mil na casa da minha filha – a minha antiga casa, onde ela mora agora. Neste […]
Minha cara Clotilde: essas intromissões no nosso apego/apreço aos livros eu também as sofro; e começa sempre pela pergunta sem sentido sobre a leitura (você já leu todos esses livros?), não sabendo eles da observação acho que de W.Benjamin segundo a qual o bibliófilo lê talvez 10% da sua biblioteca… Sobre as doações isso parece estar virando um problema concreto para mim: como acomodar cerca de 3.000 títulos num apartamento de 75 m², que compartilho com minha mulher – parece que nesse aspecto estou em situação mais difícil que a sua. Mas quanto às doações não precisamos nos preocupar: quando morrermos tudo será disperso. Abraços, Iran, de Fortaleza.