Umas & Outras

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“Só vingança, vingança, vingança…”

Clotilde Tavares | 18 de setembro de 2010

Hoje quero falar sobre vingança. Mas por que um assunto desses? Por nada não, só porque me deu vontade. Não quero me vingar de ninguém, não estou com raiva de ninguém – agora. Vez por outra tenho minhas raivas e quero matar, assassinar, fico doente de raiva e quero me vingar! Pois é meu caro leitor, se você pensa que sou uma doce velhinha você está muito enganado.

A diferença é que eu sinto essas coisas aí por uns cinco minutos, respiro fundo e aplico a mim mesma a frase que eu mais gosto sobre o tema: “A maior vingança é o sucesso!” E corro a escrever, a pensar, a ter ideias, sempre naquela direção dos sentimentos positivos porque esse negócio de ter raiva e de guardar rancor detona com nossas pobres artérias e nos leva ao enfarte mais cedo do que programado.

Apesar disso, não posso negar que o assunto me atrai pela sua força literária, por carregar um conteúdo tão forte de drama e de tragédia.

Quem não se lembra do samba “Mas enquanto houver voz em meu peito eu não quero mais nada/ Só vingança, vingança, viangança aos anjos clamar…”? Quando ouço cantar isso em mesa de bar ou roda de amigos, é divertido olhar para as pessoas, e as expressões que fazem mostram que cada uma tem sua vingançazinha particular guardada em algum canto, atrás de alguma porta interna, esperando…

Sun-Tzu, autor de “A Arte da Guerra”, disse:”Se esperar bastante junto ao rio, os corpos dos seus inimigos passarão boiando”, mas aqueles eram tempos cruéis. Isso não impede que eu me recorde imediatamente do aforisma caririzeiro que aprendi em pequena: “Todos os meus inimigos estão mortos” – pra quem não entendeu, explico que a vingança do autor da frase é tão definitiva que ele não tem mais nenhum inimigo vivo.

São muitas frases: “A vingança é um prato que se come frio” ou “Não há maior vingança do que o esquecimento.”

Mas a melhor delas é o verso da poeta Rosalia de Castro citada no livro de Alfredo Bosi O ser, o tempo e a poesia:

“Não cuidarei dos rosais
que ele deixou, nem dos pombos
que eles sequem, como eu seco
que eles morram, como eu morro.”

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O Corvo e a Alegria

Clotilde Tavares | 17 de setembro de 2010

A ilustração é de Gustave Doré.

Uma vez, quando esse Umas & Outras ainda era uma newsletter que eu mandava pra uma lista de amigos, comecei escrevendo assim:

(…)

Foi uma vez: eu refletia, à meia-noite erma e sombria,
a ler doutrinas de outro tempo em curiosíssimos manuais,
e, exausto, quase adormecido, ouvi de súbito de um ruído,
tal qual se houvesse alguém batido à minha porta, devagar,
“É alguém” — fiquei a murmurar — “que bate à porta, devagar;
sim, é só isso e nada mais.”

(O Corvo, de Edgard Allan Pöe)

E, depois de citar o poeta de “O Poço e o Pêndulo”, continuei:

“É nesse clima de expectativa, noite e dia agarrada a vetustos livros de genealogia, com os antepassados me rondando, tomada pela energia esquisita de Pöe e sua ave sombria, que me encontro.

Sem concentração, sem sossego, esperando o que está do outro lado da porta mas sem estar pronta ainda para abri-la.

Deve ser o inverno, a chuva, o frio, esse tempo que me deixa assim.”

(…)

Aí foi um dilúvio de emails, as pessoas muito preocupadas comigo, perguntando carinhosamente como eu estava, julgando-me deprimida ou mergulhada numa crise existencial.

Mas não era nada disso, meu caro leitor. O que acontece é que eu tenho o gosto do drama, da tragédia. Adoro um clima soturno e sombrio, uma história de assombração, um romance gótico. Nada disso é de verdade, sendo apenas uma curtição estética e incorporada aos pequenos papéis que represento aqui no palco da Internet, mais para me divertir e para divertir os leitores do que para qualquer outra coisa. Por isso fiquei constrangida, e fico sempre quando vez por outra pessoas boas e amorosas embarcam na minha viagem alucinada e pensam que é de verdade.

Fique o meu caro leitor sabendo que sou alegre, otimista e cheia de tesão pela vida; tenho meus momentos de contrariedade, desilusão e tristeza, porque isso é inerente à condição humana mas a tônica da minha vida são a Alegria, o Bom-Humor e o Entusiasmo.

Edgar Allan Pöe e o Corvo me dão muito prazer estético, mas – felizmente – são só para tirar uma onda.

E viva a Vida!


Veja aqui como era o Umas & Outras antes de virar blog.


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Edgar Allan Poe, gótico, O Corvo
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In omnia paratus

Clotilde Tavares | 16 de setembro de 2010

Alguns posts atrás, quando falei da frase de Thoreau que no momento encerra minha assinatura de e-mail, prometi estender o assunto das frases, falando de outras frases das quais gosto muito. Uma delas é a frase de Yeats, “Aos bons falta convicção, enquanto que os maus estão cheios de fé e entusiasmo”. Retirada do poema The Second Coming, essa frase resume aquilo que eu vejo em 90 por cento das pessoas que me cercam – os bons, sem convicção, cheios de tédio, desiludidos com a vida, sem tesão para a luta; e os maus cheios de força e entusiasmo. Eu procuro formar do lado dos bons nesta equação, embora conservando dos maus aquilo que presta – que é o tesão e o entusiasmo. E vambora ver no que dá.

Outra frase ótima é o provérbio oriental (well, a gente chama de provérbio oriental quando não sabe de quem é…): “Antes de sair para consertar o mundo dê três voltas dentro de sua própria casa”. Essa frase me pegou de jeito num momento da minha vida em que eu, cheia de ideais missionários e transformadoras, queria interferir de todas as maneiras na realidade, com especial ênfase na realidade dos outros. A frase me fez voltar o olhar crítico na minha própria direção, me fez enxergar a trave diante dos meus olhos antes de me incomodar com o cisco no olho do outro, como diria Dona Cleuza, minha mãe, expressando sua sabedoria caririzeira. Então dediquei-me de tal forma a dar as três voltas dentro da minha própria casa que ainda não terminei a tarefa. Acho que o mundo tem conserto, mas deve começar pelo nosso próprio quintal. Eu até escrevi um livro sobre isso, “A Magia do Cotidiano: como melhorar sua qualidade de vida”, que está praticamente esgotado, mas eu tenho intenção de colocá-lo disponível para download assim que tiver tempo de transformar o livro, que está em Pagemaker 6.5 no formato .pdf, mais apropriado para a web – como já fiz com o Coração Parahybano e Formosa És.

Uma boa frase, lida no blog da jornalista Rossana Herman é : “Interesse-se pelos interessantes e ignore os ignorantes”. Parece óbvio, mas é tão freqüente a gente fazer exatamente o contrário! Quantas vezes não damos cabimento a gente sem graça, estúpida, que nada tem para acrescentar, nem ao Universo e nem a nós mesmos? Enquanto isso as pessoas interessantes passam ao largo… E essa pérola, que colhi no douto texto de Santo Agostinho: “Senhor, dai-me continência e castidade, mas não agora!” Preciso comentar?

Finalmente, deixo você com um brocardo latino que há algum tempo vem logo abaixo do meu nome, na assinatura dos e-mails: In omnia paratus, que quer dizer simplesmente: Pronta para tudo, e é a atitude atual minha diante da vida. Ou seja, eu sempre estive pronta, mas nunca estive tão pronta como estou agora.

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brocardos, frases, in omnia paratus, proverbios, Santo Agostinho, Yeats
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O aplauso e a vaia

Clotilde Tavares | 15 de setembro de 2010

Há uns três dias recebi um email muito simpático, de uma pessoa que me pede para ler alguns textos escritos por ela, e me pede também uma opinião. Eu fiquei aqui quebrando minha cabeça para ver de que forma eu ia responder isso e aí achei melhor escrever um post sobre essa situação, que é bem freqüente na minha vida: pessoas que me pedem opiniões sobre seus textos.

Para começar, minha rotina de trabalho é muito pesada. Sou professora universitária aposentada, o que faz muita gente pensar que eu não faço nada. Eu mesma alimento essa fábula quando me auto-descrevo no twitter como “fiscal da natureza…” e por sempre estar assim de forma leve e solta nas coisas que escrevo. Mas isso, essa leveza, essa soltura, tem a ver com meu temperamento e não com o volume de coisas que requerem minha atenção e com as quais me ocupo da hora que acordo à hora em que vou dormir – e algumas delas continuam a me ocupar mesmo durante o sono, povoando meus sonhos de interrogações.

Sou uma escritora em tempo integral. Isso quer dizer que eu escrevo de verdade, todo dia. Sempre estou escrevendo algo, como agora, e ao final deste post terei escrito aí umas 700 palavras. A maior parte das coisas que escrevo não se aproveita, e é assim mesmo em qualquer ofício ligado à Arte. Mas é preciso escrever, escrever sempre, para manter a habilidade em forma.

Fora escrever, é preciso ler, ler muito, ler os blogs e comentar, responder aos emails, administrar as listas de discussão na internet (umas 3 ou 4), atender aos telefonemas, preparar propostas de cursos e palestras e enviar a quem me pede, trabalhar nas pesquisas que dão suporte aos temas sobre os quais escrevo, ver filmes, ver programas de TV, assistir entrevistas, ouvir música. É preciso também fazer a comida, lavar a louça, limpar o apartamento, sair de casa para as inúmeras coisas da vida prática, conversar com os amigos e sair com eles, recebê-los em casa às vezes, dar atenção aos filhos e aos netos.

Então, dentro dessa rotina, não sobra muito tempo para ler e opinar sobre trabalhos que as pessoas me enviam, mesmo porque esse é um trabalho demorado porque dificílimo, delicado, cheio de implicações, onde a leitura tem que ser atenta e a opinião ou crítica expressa tem que ser ponderada, muito bem pensada e – mais difícil ainda – expressa com delicadeza de forma que não fira de nenhuma maneira o postulante que, ansioso, espera a opinião desta escritora que vos tecla.

Por isso optei e opto por não ler e opinar sobre escritos dos outros. E tenho aqui uma recomendação a quem tem seus textos na gaveta e fica querendo uma avaliação: busque essa avaliação sim, mas não de um escritor. Busque do seu público, porque é para ele que você escreve e é ele quem consagra – ou desconsagra – um autor.

Escreve contos ou poesias? Imprima e distribua, ou pregue no quadro de avisos de onde você trabalha, ou ainda mande para a sua lista por email. E não peça opinião. Se as pessoas gostarem, elas lhe escrevem ou lhe procuram pedindo mais.

Se você escreve para teatro, faça cópias e entregue aos professores de teatro das escolas, para que eles, se gostarem, montem com seus alunos.

O escritor que lê os textos de um principiante pode gostar, ou então não gostar. Isso é apenas a opinião dele, do escritor, e não deve significar nem a glória nem a desgraça para quem está começando. O maior sucesso editorial brasileiro é o escritor Paulo Coelho, para quem os escritores como eu torcem o nariz.

Então, aposte no seu trabalho, entregue-o ao público. Só o público pode dar ao artista o tão necessário aplauso ou a vaia, esta mais necessária ainda, porque nos faz repensar, retrabalhar e melhorar aquilo que fazemos.

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Cortando lenha

Clotilde Tavares | 12 de setembro de 2010

Aqueles que recebem meus emails já devem ter notado que uso uma assinatura fixa onde, além dos meu nome e telefones, eu refiro a cidade onde estou morando – Natal/RN – e links para o twitter, para este blog e para o meu site de Genealogia.

Também vez por outra acrescento mais uma informação, ou uma frase, como a de Thoreau que atualmente fecha a minha assinatura: “Corta tua própria lenha e ela te aquecerá duas vezes.”

É uma das minhas frases favoritas – tenho outras – mas essa traz embutida a ideia da pessoa encontrar realização nas tarefas secundárias do próprio trabalho, tirando dali prazeres extra, que muitas vezes não se percebe à primeira vista. A lenha tem o objetivo de aquecer a pessoa, enquanto queimada na lareira; mas se a pessoa cortá-la ela mesma, também terá um benefício adicional, pois a atividade a aquecerá também.

É por isso que continuo arrumando minhas estantes e eu mesma espanando meus livros; faço todo o trabalho manual suscitado pela minha atividade de escritora, como digitar textos, colar meus próprios recortes de jornal num caderno, arrumar as gavetas, limpar e organizar a mesa e mais o que for preciso. Enquanto estou ali, mexendo naqueles objetos que uso para desempenhar minha atividade, estou me “aquecendo” pela primeira vez. O manuseio dos lápis e canetas, dos papéis e cadernos, das imagens, recortes, postais e fotografias que são pregados no quadro de avisos que mantenho, tudo isso leva o cérebro a entrar na frequência do trabalho.

Quem convive comigo acha engraçado porque não me vê escrever. É assim mesmo. Escrevo dentro da cabeça, “enquanto corto minha lenha”. Quando sento no computador, já está tudo pronto, bem organizado, com começo-meio-fim, e escrevo quase de uma “sentada”. Depois, é só imprimir e corrigir, corrigir, corrigir até ficar limpo.

Simples assim.

Outra coisa que há na minha assinatura de e-mail é a frase latina “In omnia paratus”. Mas isso fica para o próximo post.

No blog SalaDa Médica, Meire Gomes conta uma história engraçada que se passou comigo. Aproveite para dar uma passadinha lá e ver os outros posts da Dra. Meire, inteligentíssima e antenada, dando opinião sobre tudo o que é de assunto.

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Esplendor no céu da tarde

Clotilde Tavares | 10 de setembro de 2010

Hoje de tardezinha eu vinha voltando para casa, logo depois das cinco e meia da tarde. A avenida lotada de carros, o trânsito se arrastando, aí eu olhei pela janela do carro e vi o céu. Na tela azul turqueza, o arco prateado da Lua Nova, novinha em folha, acabadinha de nascer; e mais acima, como retesando esse arco, o planeta Vênus, na sua plenitude, brilhante, parecendo uma jóia rolando em campo de cetim. Só isso, mais nada. O Sol ainda não havia sumido e outros astros não haviam aparecido para empanar o brilho da visão.

E lá saí eu, comemorando porque o trânsito estava lento e eu podia ir, devagarinho, contemplando aquela maravilha.

Mas seria mesmo Vênus? Um dia desses eu tinha visto a deusa prateada na madrugada, como estrela matutina; será que já havia terminado essa sua parte do ciclo e ela já estava de novo aparecendo de tarde? O tempo passou tão rápido assim que eu nem me dei conta?

Mas foi isso mesmo, meu caro leitor. Era mesmo Vênus, e confirmei logo ao chegar em casa com um telefonema para o físico João da Mata, que localizei através do celular perdido e sequioso no centro da cidade em busca de uma cerveja.

Fiquei pensando: quem mais viu isso? Pouca gente, eu acho. Pouca gente olha o céu, e não vê mais a Lua, nem as estrelas, nem os planetas. Não conhece as constelações, Não sabe que a Via-láctea, como um pálio aberto, cintila, como diria o poeta que ouvia estrelas; e nem desfruta da maravilha que é Júpiter, que está no zênite todas as noites, enfeitando a abóbada com seu esplendor luminoso.

Júpiter é é a grande fotuna astrológica, o planeta que domina a minha existência, e quando eu nasci, ele estava na minha décima primeira casa, com o Sol e Mercúrio dominados por ele. Por isso sou assim, tão faladeira, tão metida, e gosto de falar pra um mundo de gente que nem sei quem é, como faço por este blogue que, agora, vou ver se atualizo com mais frequência.

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A delícia das coisas simples

Clotilde Tavares | 9 de setembro de 2010

Convido hoje o meu caro leitor para um reflexão a respeito da extrema delícia das coisas simples. Isso não quer dizer que eu não goste do requinte, da sofisticação. Mas além disso está a simplicidade, que termina sendo o extremo requinte. A simplicidade é o requinte do requinte.

Por exemplo, uma rede. Quer coisa mais simples, e que consegue dar mais prazer do que uma rede? Uma simples pedaço de pano grosso, suspenso no ar a partir dos seus extremos, móvel, balouçante e macia, herança preciosa dos nossos antepassados indígenas? Uma rede é a glória, a glória suprema. Mas é preciso saber se deitar, e não é todo mundo que sabe se deitar numa rede. É preciso descobrir o ângulo absolutamente certo entre a posição do seu corpo e a beirada da rede.

Falando em simplicidade, e em rede, lembro logo do sertão e de uma pousada em que fiquei hospedada em Paraú, ou Espírito Santo do Oeste, no Rio Grande do Norte. Quando cheguei na pousada, a mulher olhou assim para mim e disse “- Você dorme de rede?” Eu, cansada que vinha, caí nos braços dela: “- Durmo, querida…” Mergulhei então no berço daquela rede, dentro da qual fiquei me espojando feito um potro novo, preguiçando e espantando o cansaço… A rede era vermelha e a varanda era um poema de crochê, pesada, tecida numa linha grossa. Joguei-a por cima de mim e ela veio, se adaptando ao meu corpo, me fazendo uma carícia, aquela varanda pesada… Ô delícia…

O quarto tinha apenas a rede e uma cadeira onde coloquei a mala, mas era limpíssimo, paredes alvas e o chão brilhante de tão esfregado. O meu caro leitor talvez achasse essa hospedagem pobre, mas eu lhe digo que somente a rede era melhor do que aqueles apartamentos de hotel metido a besta de interior, com frigobar e outras bobagens. Para que é que eu vou querer um frigobar, quando posso dizer: “- Ei, a senhora tem um docinho?” ou “- Comadre, me arranje um cafezinho…” Telefone também não é necessário porque posso me levantar e chamar quem eu quero. Está todo mundo ali, pertinho, ao alcance da voz.

Depois, o jantar. Um jantar sertanejo. Arroz de leite, alvo, os pedacinhos de queijo amarelinhos apontando aqui e ali no meio do arroz. Carne assada, um feijãozinho macassar bem sequinho, sem muito caldo, e uma batata doce merecedora de um poema, uma canção, enxutinha, uma delícia. Depois, um suco de maracujá delicioso, feito com maracujá que não é comprado em supermercado porque é completamente diferente daquele que eu tomo em casa.

Pedi doce, não tinha, mandaram comprar. Daí a pouco entrou Salete – que é o nome da dona da pousada e criadora dessas delícias – com o pedaço de doce espetado na ponta de uma faca. Fiquei me sentindo medieval, comendo com a faca, metendo a faca na boca e com olhos molhadinhos de lágrimas, lembrando de que Mamãe, lá de Coxixola, na Paraíba, me servia doce desse mesmo jeitinho. Depois Salete me trouxe café e água e eu disse: meu Deus, eu não saio mais daqui.

Mas tive que sair, caro leitor. Tive que seguir viagem, mas acrescentei às minhas experiências essa, especial entre todas: o sertão e a sua simplicidade, das pessoas e das coisas.

Essa é mais uma das crônicas já publicadas no meu livro “A Agulha do Desejo” (Natal, Engenho de Arte, 2003), que você encontra na Estante Virtual e em breve disponível para download gratuito aqui mesmo neste site. A foto é minha, de 1999, e mostra as cercanias da cidade de Paraú-RN.

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Cariri, Paraú, rede, sertão, simplicidade, sofisticação
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Meu amor por D. Pedro I

Clotilde Tavares | 7 de setembro de 2010

Quando, aos onze anos de idade, fui estudar no Alfredo Dantas, em Campina Grande, descobri que, nas comemorações do 7 de setembro eu teria que desfilar marchando, mas na última fila, porque era pequena para a minha idade e era a menorzinha de todas. No primeiro ensaio, as meninas maiores riam de nós, as “pequenas”, e eu, valendo-me de “desmaios” de mentira que D. Alcide, a diretora, e Mamãe tomaram como verdadeiros, consegui ser retirada da formatura e dispensada da humilhação pública de ser a última menina das fileiras.

Aos quatorze anos, já tendo conseguido alguns centímetros a mais, fui tomada de paixão avassaladora por D. Pedro I, ou melhor, pelo garoto de quinze anos que representava o Imperador, cavalgando um imenso cavalo negro que o pai dele mandava vir diretamente da fazenda para o filho montar no “dia 7”. O menino era tão lindo, com seu bigode desenhado a lápis, a jaqueta azul com botões dourados e a calça branca enfiada no cano das botas negras de couro, que eu sentia o coração parar quando ele passava, com as ferraduras do cavalo tirando faíscas nas pedras do calçamento.

Esperei ansiosamente ser escolhida para fazer parte do pelotão das “gregas”, meninas vestidas com uma túnica curta que deixava à mostra as pernas e uns dez centímetros de coxa. Quando já me considerava eleita fui recusada porque além das pernas grossas era preciso também ser bonita, e eu não era. Para me consolar, comecei a brincar com os instrumentos da banda e descobri que era hábil no tarol; alguém me ensinou uns solos e daí a pouco eu era a nova sensação do ginásio, entre rufos e contratempos. O tarol vinha na frente da banda, e era uma posição de destaque, onde o que valia era a habilidade e não as pernas grossas ou a cara bonita. Saí orgulhosíssima para o primeiro ensaio nas ruas da cidade, alimentando a secreta esperança de que D. Pedro reparasse em mim.

Mas deu tudo errado. Na cidade pequena, a novidade logo chegou aos ouvidos de Papai que, quando cheguei da aula, proibiu minha nascente carreira marcial com uma frase seca: “Não quero filha minha tocando tambor pelo meio da rua”. E pronto. Novamente jogada para o último pelotão, sem tarol ou roupa de grega, só me restou desmaiar no sol quente e ser dispensada outra vez da formatura.

Quanto a D. Pedro, nunca mais o vi, nem soube dele. A voraz passagem do tempo consumiu na minha memória o seu nome, deixando apenas o bigode feito a lápis, o lampejo da jaqueta azul num dia claro de sol e o grito de “Independência ou morte!” lançado pela sua garganta adolescente enquanto o cavalo negro erguia para o ar as patas indóceis.

A foto mostra o desfile de 7 de setembro de 1973, em Campina Grande-PB e o colégio a desfilar é o Colégio das Lurdinas. O fato que narro na crônica deve ter se passado uns dez anos antes desse desfile que a imagem mostra, mas pouca coisa havia mudado desde então.

Essa e outras fotos sobre o passado de Campina estão no blog Retalhos Históricos de Campina Grande.

Talvez você também goste de ler o texto sobre a data que publiquei aqui neste blog há um ano. É um texto do qual gosto muito, e os leitores também gostaram.

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7 de setembro, d. pedro I, Independencia do Brasil, Independencia ou morte
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As calçadas de Natal

Clotilde Tavares | 4 de setembro de 2010

Hoje envolvi-me em uma atividade que há muito eu não fazia. Precisei de um cartucho para a impressora e, como a loja só entregava em casa contra dinheiro ou cheque e eu não tinha nenhum dos dois, lá fui eu a pé, passar a compra no cartão. A loja era perto, uns 400 metros de casa, e não compensava chamar um táxi.

Era de manhã, no sábado ensolarado desta minha cidade Natal, e lá saí eu dispostíssima, calçada afora, aproveitando para cumprir minha meta diária de meia-hora me movimentando, de preferência andando e fora da minha poltrona.

Ah, meu caro leitor. Como é difícil andar na rua. As calçadas são verdadeiras pistas de obstáculos. Nenhuma é igual à outra. Uma é de pedra, a outra é de ladrilho, na seguinte encontro paralepípedos; nesta outra, que vem depois, há veículos estacionados e tenho que ir pelo asfalto, com os carros me tirando cada fino!

Fico pensando nas pessoas que põem um tênis e descem para caminhar no bairro. Como caminham, com tais calçadas? É um segredo que não consegui decifrar ainda. Pior ainda: o sofrimento daquelas que caminham porque precisam, porque têm que ir de um lugar a outro e que não têm carro. E as grávidas, e cadeirantes, e mulheres com carrinhos de bebê, e idosos? – é, também sou idosa sim senhor!

Essas calçadas são verdadeiros obstáculos ao meu direito constitucional de ir e vir. Como posso fazer isso em condições tão ingratas? E a avenida, tão convidativa no ano de 1982, quando eu ia diariamente a pé de onde morava, na rua da Saudade, ao prédio onde hoje é o Sebrae – e onde era naquele tempo a Alcanorte, à qual prestei serviços durante seis meses, agora me parece uma verdadeira Linha Vermelha, com todo o respeito aos meus leitores da maravilhosa cidade do Rio de Janeiro.

Mudaria a cidade, ou mudei eu? Ah, meu caro leitor. Mudamos ambas. Eu fiquei mais lenta, mais amante do silêncio e da solidão, e a avenida cresceu, inchou, com tanto carro e caminhão! As calçadas, que antes eram lisas e uniformes, hoje estão de um jeito que não dá nem pra gente desfrutar do passeio olhando o mundo porque senão tropeça em algo ou enfia o pé num buraco.

Enfim, cumpri lá a minha missão e, 400 metros de ida e mais outro tanto de volta, comprei meus preciosos cartuchos. Ao chegar ao prédio onde moro, encontrei o rapaz da oficina: tinha vindo trazer o meu carro. Ninguém merece.

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Ri-ri, miss e Jesus

Clotilde Tavares | 15 de agosto de 2010

Talvez o meu caro leitor não saiba, mas sou uma moça prendada, educada em colégio de freiras e dominando habilidades que hoje não mais fazem parte da educação das jovens. Assim é que sei costurar, bordar, fazer tricô, crochê e ponto de cruz. Imbuída da importância de tais tarefas, e horrorizada com o preço cobrado pelas costureiras, vez por outra resolvo eu mesma costurar, tarefa na qual me saio muito bem, apesar de certa dificuldade em enfiar a linha na agulha.

Entre os aviamentos usados na arte da costura, um dos mais comuns é o fecho éclair, que sempre me faz lembrar de uma conhecida minha, que chamava essa peça de “flash”, segundo ela porque abria e fechava com rapidez. Ora, essa explicação tem tudo a ver, já que “éclair”, em francês, significa relâmpago. Minha mãe o chamava de “ri-ri”, pelo barulhinho que o fecho fazia ao deslizar. E se você achou engraçado, caro leitor, lembre-se de que em inglês o termo para esse tipo de fecho é “zipper”, que vem exatamente da palavra “zip”, que quer dizer silvo, sibilo. Tanto a palavra sertaneja como a inglesa servem ao mesmo propósito: designar o objeto aludindo ao som que ele provoca.

É curioso observar os nomes que as coisas adquirem, de acordo com o estado, ou a região. Eu chamo aquele arco de colocar na cabeça prendendo os cabelos de “diadema”. Muita gente chama de “arco”, ou “tiara” e já vi chamarem também de “traca”.

Um simples friso de cabelo pode levar a confusões indescritíveis. Você pode andar uma cidade inteira à procura de um friso, e não vai encontrar, pois nesse local o conhecem por “grampo”. E eu andei uma tarde todinha pelas lojas da Avenida Sete, no Campo Grande, na Bahia, querendo comprar uma caixa de frisos, para somente depois, ao chegar no Hotel, descobrir que o nome daquilo, na Bahia, era “miss”. Já minha mãe, no seu linguajar sertanejo, chamava friso de “biliro”.

Tem também umas coisas que são deliciosas. No Maranhão, por exemplo, existe – ou existia – um refrigerante como um guaraná que é cor de rosa e cujo nome é “Jesus”. Uma das coisas que eu mais gostava quando ia a São Luís era entrar numa lanchonete e dizer “- Moço, me dá um Jesus!” E lá vinha o homem com aquela garrafa da cor de uma pétala de rosa.

Palavras, palavras, palavras: tão ricas, tão belas, tão saborosas. Inglesas, francesas ou sertanejas, não importa: na boca do povo ganham vida, ganham alma e graças a elas esta que hoje vos escreve tem assunto para este domingo preguiçoso.

Essa garrafinha de Jesus foi meu compadre Carlos von Sohsten quem trouxe pra mim do Maranhão no ano passado. Fui na casa dele degustar a iguaria e fiz a foto com meu afilhado Vinicius. Eu adoro Jesus!

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