A ligação misteriosa
Clotilde Tavares | 7 de outubro de 2009O celular toca. Eu atendo. A pessoa do lado de lá, um homem, pergunta: “Quem fala?” “Clotilde Tavares”, respondo eu, que não tenho nada a esconder e não me incomodo de dizer meu nome quando atendo ao telefone. A informação, no entanto, não satisfaz ao meu interlocutor, que explica, com voz ansiosa e irritada: “É porque tem uma chamada para o meu celular, vinda desse número.”
Começa aqui um capítulo dessa escravidão tecnológica que algumas pessoas desenvolvem com o telefone celular. Desde o tempo em que esses aparelhos eram raros, feios e pesados, e eu comecei com daqueles estilo “tijolão” da Motorola, sempre entendi o telefone celular como algo para me trazer comodidade, e não aperreio. Até hoje ainda uso o celular dessa maneira, a meu serviço, para facilitar minha vida quando estou fora de casa ou viajando e quero ligar para alguém.
Nunca, nunca o uso para ser encontrada em qualquer lugar que estiver. Não tenho negócios tão importantes assim que necessitem da minha presença o dia inteiro; e não tenho – graças a Deus – nenhum familiar doente. Então pra que danado tenho que ser encontrada durante todas as vinte e quatro horas do dia? Quando chego em casa, atiro a bolsa em qualquer lugar e dentro ela o pobre celular às vezes toca sem parar e eu não me lembro nem que ele existe. Ora, quem me ligar e não conseguir falar comigo, se realmente quiser me encontrar, liga de novo. Quanto a retornar uma ligação que apareceu no visor do meu telefone e que eu não sei de quem é, isso nunca.
Mas o meu interlocutor, aquele, que estava retornando para o meu número, estava ansioso para saber como os meus oito algarismos haviam ido parar no telefone dele, e insistiu. Aí eu perguntei de quem era o telefone; ele respondeu que era de Severiano. Como eu não conheço nenhum Severiano, disse a ele que não tinha sido eu. “Mas o número está aqui, no meu celular”, insistiu a criatura. “Pode ser que esteja, mas eu não liguei para nenhum Severiano, não conheço nenhum Severiano e o senhor está gastando seu tempo à toa…” E gastando também a minha paciência, mas isso eu não disse porque, mais do que ninguém, compreendo o drama dos meus ansiosos e estressados semelhantes. Ele então encerrou o assunto: “Tá certo. Tudo bem. Mas eu ainda vou descobrir o mistério essa ligação.”
Mas não é difícil, meu caro leitor, nem tão misterioso assim. Para esse fato existem pelo menos duas explicações tão plausíveis quanto corriqueiras. A primeira delas é que eu mesma, ligando para alguém, posso ter digitado erradamente um algarismo. Esse engano tão simples, como qualquer pessoa sabe, pode inviabilizar a ligação que a gente quer, nos ligando com quem a gente não quer. Ou então a pessoa que tinha aquele número, que era com quem a gente queria falar, trocou de número. Do ponto de vista técnico pode ser que existam ainda outras explicações que sequer imagino, fazendo com que meu número tenha ido para no celular do tal Severiano.
O pior foi o caso da mulher estressada, que encontrou – segundo ela – meu número no fone do marido e queria sabem quem eu era. Depois de muita conversa, terminei descobrindo que o número que estava lá no celular do marido dela não era o meu: a criatura, descontrolada, discou errado e terminou vindo parar no meu número! Pois é, meu caro leitor! Eu quase pago, e caro, por um pecado que não cometi…